16 de Dezembro

Há dias em que é difícil encontrar-te. E eu que já só esperava alegrias, dons, consolações. Há dias em que o ruído interior fala mais alto que o próprio silêncio. E eu que julgava já te saber ouvir, já te conhecer. Há dias em que a liberdade nos foge e nos desencontramos de nós próprios. E eu que jurava que jamais te negaria.

E é por isso que aqui estou, Senhor. A minha sede de ti é tão grande! Tu bem sabes que te amo, mas ainda assim, isso parece não chegar. Falta conhecer-te, Senhor. E conhecer-me. Mas, de verdade, nunca te conhecerei completamente. Serás sempre um caminho, e eu, um viajante. Será que algum dia me cansarei de caminhar?...Diz-me que não, Senhor! Aonde iria eu, então?

Ainda há pouco estava deitado na areia e comecei a ouvir passos. Mas quando me levantei, vislumbrei apenas alguém ao longe. Deixei-me estar com o ouvido colado na areia, sentido aquela palpitação. Não será assim a areia como o Espírito, que exponencia o som na distância? Porque não estão os meus ouvidos sempre encostados à areia duma praia para que eu possa ouvir a tua voz em permanência?

Porque para além dos sons da areia, existem na praia os sons do mar. E que voz será essa, a do mar? Talvez a voz a da história – e a história pertence-te. Talvez a memória daquele barco onde ensinavas os discípulos, na Galileia. Talvez uma imagem daquele que caminha sobre as águas, tal é a leveza do seu espírito.

E eu, Mestre? Onde poderei enquadrar-me, entre as ondas da tua história e os desígnios arenosos do espírito? Algures numa prancha de surf? Mas quem nunca fez apenas imagina, representa, iconiza...

Na verdade, falta-me por vezes a coragem de surfar a tua história por medo de cair e mergulhar nas profundezas do oceano. Chego a não me aproximar para não me salpicar!...

De que tenho medo então?

Tenho medo de ir e de não mais voltar. Quantos naufragaram... Será que me pedes algo tão ousado?

Hoje sinto-me um marinheiro em terra, Senhor. Mas amanhã, quando trouxeres o nosso barco de volta, serei bem capaz de ficar pelo cais... Contudo, fazes-me acreditar que há bem mais barcos que marés. A maré só enche e vaza: assim é o espírito humano. Mas os barcos podem ter vários tamanhos e destinos diversos: e assim é a tua proposta.

Que eu nunca deixe de recomeçar, Senhor! Só no teu olhar posso (re)ver-me. Nesses teus olhos que têm cor de mundo no primeiro dia.

Sempre,
João

[Este postal foi escrito pelo convidado especial para hoje, ao qual agradecemos e expressamos o quão honrados nos sentimos por acolher o nosso convite: Obrigado, caro João Labareda!]